PÉ DE MOLEQUE
CATEGORIA: CONTO
Valdir Rangel
13-02-2001
A minha infância apesar de ter sido de um menino pobre, muito me
orgulha e me alegra em contar alguns fatos, foram acontecimentos muito
marcantes que ficaram gravados tanto na minha memória como dentro do meu
coração, filhos de pais pobres morávamos em uma humilde casinha de taipa
coberta com palhas, só eu sei a tormenta que era na época junina ou no inverno,
na primeira era o constante perigos dos fogos, fogueiras e balões, na segunda
era as terríveis inacabáveis e incontáveis goteiras, caindo dentro da casa, e o
pior é que sempre tinha uma em cima da cama, minha mãe e meu pai ficavam
acordados uns verdadeiros sentinelas com revistas ou jornais a tentar tapar ou
diminuir a intensidade daquelas goteiras,
o fato é que nem dormiam, nem conseguiam tirar aquelas indesejáveis
goteiras.
Mas, não vamos aqui, ficar contando só o lado ruim das
coisas, a minha casa tinha um enorme quintal, com dois pés de coqueiros, um pé
de jaca, um pé de limão-do-Pará onde ainda me arrastando, eu pegava aqueles
frutos que caiam no chão me deliciava com aquele sabor azedo, como
conseqüência, sempre vivia com desarranjo intestinal. Por necessidade, os meus
pais trabalhavam fora de casa, o meu pai consertava relógios no centro da
cidade, e minha mãe, trabalhava no estado (empregada pública), só no horário da
tarde, e por conta disto, éramos levados todos os dias de segunda a sexta
feira, para a casa de uma tia nossa que ficava bem próximo , inclusive na mesma
rua, e lá ficávamos a brincar com uma prima, praticamente da mesma idade, mais
que era deficiente do juízo, essa prima gostava muito de brincar e também como
toda criança de vez em quando dar uma arengada, nesse quadro, a vida ia
passando, quando era à noite voltávamos para a nossa casa, e no dia seguinte a
rotina continuava.
Mais
vamos ao pé de moleque, minha tia, senhora muita forte fisicamente, era gorda
mesmo, pesava mais de cento e vinte quilos, era uma perfeita culinarista na
arte de fazer bolos, ela tinha um fogão bastante moderno para a época, com um
grande forno que era alimentado por catembas de coco, lenha ou gravetos, daí saiamos
eu, minha irmã e a nossa prima Rosa, por ali em um terreno baldio, juntando
gravetos, para alimentar o forno do fogão, aquilo para mim, era o máximo, pois
eu sabia que no final do dia eu ganharia um pequeno pé de moleque.
Mas, eis que um dia não sei se por distração ou por
falta de massa mesmo, eu não fui agraciado com o meu bolo, aquilo mexeu comigo,
nessa época eu tinha uns cinco ou seis anos, por volta de cinco horas da tarde,
vendo se aproximar a hora do meu pai chegar para me buscar, e sabendo que não
iria receber o meu pé-de-moleque, chamei a minha prima, e combinei com ela,
para tirarmos um pedaço do pé de moleque, ela se agachou, eu subi nas suas
costas e pendurei-me na petisqueira (móvel antigo que guardava pratos e
talheres) devido ao meu peso, a petisqueira balançou, balançou, com medo que
ela caísse sobre mim, dei um pulo do gato e cai fora, a minha prima coitada,
não percebeu nada do que estava acontecendo, parada estava, parada ficou,
recebeu por sobre si todo o impacto do móvel, foi grande o barulho de pratos
quebrados no chão, talheres e fruteiras voadoras, e a forma que continha o
pé-de-moleque passou voando e caiu ali, bem na minha frente totalmente intacta,
não contei história, nem pensei duas vezes,
agarrei-a, levei-a para a mesa e lá cortei um fatia do meu
pé-de-moleque.
Quando minha tia chegou na cozinha viu o tremendo
estrago que eu causará, procurou socorrer a sua filha que levara alguns
pequenos arranhões, perguntando a sua filha como aquilo aconteceu, assim que
ficou sabendo riu, e depois foi recolher o que restou dos pratos, limpar o chão
e levantar a petisqueira, enquanto isso, eu me escondi em um canto qualquer da
casa, deliciando aquele bolo, e algum tempo escutei, a conversa de minha tia e
da minha mãe, minha mãe bastante aperreada, e minha tia lhe dizendo, não foi
nada não, não bata nele, isso é coisa de criança.
Naquela noite fui dormir com o coro quente, mais a
minha barriga estava bastante agradecida, aquele bolo realmente estava uma
delicia, talvez até hoje, eu conserve o habito de apreciar um bom
pé-de-moleque, devido a esse acontecimento trágico mais cômico.
Passados alguns dias e analisando aquele meu
desequilibrado ato, a minha tia, concluiu que não poderia mais deixar de me
oferecer um pé-de-moleque, sob pena de ver a sua petisqueira destruída
totalmente, e assim eu passei a deliciar gostosos pés-de-moleque.
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